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TCE-MA compreende como ilegal a reserva de licitações exclusivas para ME e EPP sediadas local ou regionalmente

O TCE-MA proferiu, em 7 de agosto de 2024, a Decisão TCE-MA nº 1305/2024, no Processo nº 5432/2022, referente à consulta realizada pelo Procurador-Geral de Justiça do MA à Corte Estadual de Contas.


A consulta indagou se é possível estabelecer-se, em Edital, cláusula prevendo a participação exclusiva de microempresas ou empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente?


A resposta do TCE-MA no julgado citado foi a seguinte:


É ilegal a inclusão em edital licitatório de cláusula prevendo a participação exclusiva de microempresas ou empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, por constituir restrição à competitividade destituída de autorização legislativa.


Leia a íntegra da decisão:


Processo nº 5432/2022 - TCE/MA

Natureza : Consulta

Exercício Financeiro: 2022

Consulente :  Eduardo Jorge Hiluy Nicolau – Procurador de Justiça, Cpf: 080.926.563-04, Endereço: Avenida Jornalista Miércio Jorge, lote 09 a 11, Jardim Renascença, São Luís/MA, CEP: 65075-675

Ministério Público de Contas: Procurador Jairo Cavalcanti Vieira

Relator : Conselheiro Álvaro César de França Ferreira

 

 

EMENTA. Consulta. Consulente: Procurador Eduardo Jorge Hiluy Nicolau – Ministério Público do Estado do Maranhão. consulta o Tribunal a respeito da legalidade de procedimentos licitatórios, cujos editais estabelecem cláusulas restritivas prevendo a participação no certame exclusivamente de ME's e EPP's locais ou regionais. Conhecimento. Resposta nos termos do Parecer n° 514/2024/ GPROC1/JCV.

 

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de consulta formulada pelo Procurador Geral de Justiça do Estado do Maranhão a respeito da legalidade de procedimentos licitatórios, cujos editais estabelecem cláusulas restritivas prevendo a participação no certame exclusivamente de ME's e EPP's locais ou regionais.

 

Submetida a Consulta à Unidade Técnica, deste Tribunal de Contas, esta manifestou-se, por meio do RELATÓRIO DE INSTRUÇÃO N° 2555/2021-NUFIS 1, pelo seguinte:

 

Em vista das questões que foram tratadas, submetem-se os autos à consideração superior, com espeque no art. 153, II, do Regimento Interno, propondo:

a) conhecer da presente Consulta, uma vez que formulada por autoridade que possui legitimidade para tanto, acerca da aplicabilidade, em tese, de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de competência deste Tribunal, de modo que se encontram satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 269 do Regimento Interno c/c art. 59, inciso I e §1º da Lei Orgânica do Tribunal de Contas (LOTCE/MA);

b) com base no art. 1º, inciso XXI, da Lei 8.258/2005, responder ao consulente que:

b.1) na regulamentação da prioridade de contratação de microempresa e empresa de pequeno porte local ou regional, de que trata o art. 48, §3º, da Lei Complementar nº 123/2006, cabe ao ente federado definir como se dará a concessão do benefício. Mas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se, na espécie, a legislação federal, nos termos do que dispõe o art. 47, parágrafo único, do referido Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte;

b.2) mediante expressa previsão em lei e no instrumento convocatório, é possível ser concedida, justificadamente, prioridade de contratação a microempresa e empresa de pequeno porte sediadas local ou regionalmente que apresentar oferta igual ou até 10% superiores ao menor preço, desde que não ultrapasse o preço de referência definido pela Administração (o qual deve sempre refletir os valores praticados no mercado), hipótese em que será convocada para apresentar proposta inferior àquela considerada vencedora da licitação, em analogia ao empate ficto dos arts, 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/2006;

b.3) é possível a concessão de margem de preferência (mediante expressa previsão em lei e no instrumento convocatório) à microempresa e empresa de pequeno porte instaladas local ou regionalmente que ofertar proposta superior em até 10% ao menor preço, desde que não seja maior que o valor estimado da contratação (que deve espelhar a realidade do mercado, fixado a partir de pesquisa consistente), tendo como justificativa a implementação dos objetivos do art. 47 da Lei Complementar nº 123/2006, benefício semelhante ao conferido aos produtos nacionais em relação ao produto estrangeiro, em analogia ao que previsto no art. 3º, §§5º a 8º da Lei nº 8.666/93;

b.4) é possível, mediante expressa previsão em lei e no instrumento convocatório, a realização de licitações exclusiva a microempresa e empresa de pequeno porte, sediadas em determinado local ou região, em virtude da peculiaridade do objeto a ser licitado ou para implementação dos objetivos previstos no art. 47 da Lei Complementar nº 123/2006, desde que devidamente justificado.

c) encaminhar cópia do Relatório, Voto e Decisão que vierem a ser prolatados à autoridade consulente e à Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (FAMEM).

 

O Douto Ministério Público de Contas através do Parecer n° 514/2024/ GPROC1/JCV, que opinou que:

O entendimento proposto nos itens b.1, b.2 e b.3 do Relatório de Instrução, acima transcritos, não guardam relação com o questionamento feito na consulta. Por esta razão, não devem constar da resposta à consulta.

O entendimento proposto no item b.4 do Relatório de Instrução não corresponde ao texto da Lei Complementar nº 123/2006 nem condiz com o posicionamento do TCU ou de outros Tribunais de Contas.

Lê-se na atual redação do artigo 47 da Lei Complementar nº 123/2006, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte:

Art. 47.  Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.

Parágrafo único.  No que diz respeito às compras públicas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se a legislação federal. 

Em nenhuma parte do texto acima vislumbra-se a possibilidade de realização de licitações exclusiva a microempresa e empresa de pequeno porte, sediadas em determinado local ou região.

O artigo 47 contém estabelecimento de princípio orientar das contratações públicas, não constituindo autorização para criação arbitrária de regras nas licitações. Em verdade, o artigo seguinte da Lei - artigo 48 - expressamente prevê que “para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública” deverá adotar os procedimentos arrolados nos seus incisos. Isto deixa claro que a intenção do legislador é assegurar o tratamento diferenciado e o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional através dos instrumentos definidos na própria lei, mais especificamente no artigo 48, assim redigido:

Art. 48.  Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:

I - deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

II - poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte;

III - deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1o  (Revogado)

§ 2o  Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.

§ 3o Os benefícios referidos no caput deste artigo poderão, justificadamente, estabelecer a prioridade de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido.

No caput do artigo 48 está prevista a possibilidade de concessão dos seguintes benefícios às microempresas e empresas de pequeno porte:

- realização de processo licitatório exclusivo nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), que é o que contém o inciso I do caput do artigo 48 da Lei;

- exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte nos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, que é o que contém o inciso II do caput do artigo 48 da Lei;

- estabelecimento de cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte nos certames para aquisição de bens de natureza divisível, que é o que contém o inciso II do caput do artigo 48 da Lei.

Concatenando o disposto no parágrafo terceiro com os incisos do caput do artigo 48 da Lei, tem-se que não há previsão alguma autorizando a realização de licitação com participação exclusiva de microempresas ou empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente. O benefício autorizado para microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente é a prioridade de contratação, até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido, nas hipóteses de: 1) realização de processo licitatório exclusivo nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); 2) exigência dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte nos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços; e 3) estabelecimento de cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte nos certames para aquisição de bens de natureza divisível.

Em nenhum momento o artigo 48 prevê licitação com exclusividade de participação de microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente.

A única possibilidade de processo licitatório com exclusividade de participação de microempresas e empresas de pequeno porte é quando os itens de contratação tenham valor de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Nem mesmo neste caso há autorização legal para restringir a participação de microempresas e empresas de pequeno porte com base na localidade ou regionalidade da sede. O legislador somente facultou a previsão de prioridade de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido, desde que seja justificado. Ou seja, ainda que a licitação seja exclusiva para microempresas e empresas de pequeno porte em razão do valor da contratação ser de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), não é possível excluir microempresas e empresas de pequeno porte de outras localidades ou regiões. É possível dar prioridade às ofertas das microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido, sem impedir a participação das demais microempresas e empresas de pequeno porte.

Em suma, não há qualquer respaldo legal, seja no artigo 47, seja no artigo 48 da Lei Complementar nº 123/2006, para estabelecimento, em Edital, de cláusula prevendo a participação exclusiva de microempresas ou empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente em licitação.

Neste sentido há diversos pronunciamentos de Cortes de Contas em âmbito nacional, dos quais transcrevemos alguns:

CONSULTA. TRATAMENTO DIFERENCIADO E FAVORECIDO DISPENSADO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS, NOS TERMOS DO ART. 48, INCISO I, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006 E DO ART. 6º DO DECRETO Nº 6.204/2007. CONHECIMENTO. RESPOSTA. ARQUIVAMENTO. 1. Nos editais de licitação em que for conferido o tratamento diferenciado previsto no inciso I do artigo 48 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, e no art. 6º do Decreto nº 6.204, de 5 de setembro de 2007, não se deve restringir o universo de participantes às empresas sediadas no estado em que estiver localizado o órgão ou a entidade licitante. (TCU; Acórdão 2957/2011 – Plenário)

A norma do art. 48 da LC nº 123/2006 não permite que se realizem licitações com restrição de participação exclusiva de ME’s e EPP’s sediadas no âmbito local e regional, dado que isso importaria em restrição do caráter competitivo da licitação. (TCE-RN; Processo nº 101065/2021 - TC (001/2021-PMCCORA); Decisão 2659/2022-TC)

A participação em licitações exclusivas para MPEs (inciso I, do art. 48, da LC 123/2006), por itens ou lotes de até R$ 80.000,00, é facultada a todas as MPEs, independentemente de estarem, ou não, situadas no mercado local ou regional. (TCE-MT; Processo nº 193968/2015; Resolução de Consulta nº 17/2015-Tribunal Pleno)

Cabível a realização de processo licitatório destinado exclusivamente à participação de MEs e EPPs nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00, porquanto apurado que existem no mínimo 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como ME e EPP sediados local ou regionalmente, poderão participar da licitação quaisquer empresas enquadradas com ME e EPP, sejam ou não sediadas local/regionalmente, em que pese haver margem de preferência a estas, até o limite de 10% do melhor preço válido, tal como regrado no § 3º do art. 48 da Lei Complementar nº 123/06. (TCM-GO; Processo nº 20528/2017; Acórdão-Consulta nº 00003/2018)

Por todo o exposto, manifestamo-nos no sentido de que a consulta seja respondida nos seguintes termos: é ilegal a inclusão em edital licitatório de cláusula prevendo a participação exclusiva de microempresas ou empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, por constituir restrição à competitividade destituída de autorização legislativa.

 

VOTO

 

Em razão dos fatos relatados, manifesto minha concordância com o Ministério Público de Contas, Parecer n° 514/2024/ GPROC1/JCV, votando no sentido de que esta Egrégia Corte de Contas decida por:

I. Conhecer da Consulta, nos termos do art. 59, inciso I, da Lei Estadual n° 8.258/2005, c/c art. 269, inciso I, do Regimento Interno;

II. Manifestar-se no mesmo sentido proposto pelo Procurador de contas nos seguintes termos: é ilegal a inclusão em edital licitatório de cláusula prevendo a participação exclusiva de microempresas ou empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, por constituir restrição à competitividade destituída de autorização legislativa;

III. Dar ciência ao consulente Senhor Eduardo Jorge Hiluy Nicolau, PROCURADORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, encaminhar cópia do Relatório, Voto e Decisão que vierem a ser prolatados à autoridade consulente e à Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (FAMEM);

IV. Determinar o arquivamento dos autos a após providências.

 

SALA DAS SESSÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO MARANHÃO, EM SÃO LUÍS, 07 DE AGOSTO DE 2024

 

 

Álvaro César de França Ferreira

Conselheiro Relator

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